PDV Liz

Era uma floresta ou talvez um bosque, minha respiração cansada me fazia perder o passo. Meus perseguidores estavam muito perto, as vezes encostavam em minha roupa ou meu cabelo. Eram cartas! Sim cartas de baralho, todos de copas, porém tinham braços e pernas humanas e em uma nas mão traziam lanças afiadas, mas o pior eram suas cabeças. Eram humanas, disso não tenho duvida, mas a aparência... Todos eram diferentes, homens, mulheres e até crianças, mas tinham a mesma expressão vazia e seus olhos eram foscos, apagados. E o pior é que não tinham pescoço, a visão era perturbadora, não sei explicar como, simplesmente eram carta e cabeça.
Enquanto eu pensava nisso, um deles aproveitou me passou e me segurou. Quando eu olhei tão perto de mim aquela criatura, um arrepio de medo e repulsa me sacudiu, de sua cabeça caia pingos vermelhos sobre seu corpo de papel e tingia minhas roupas com cheiro forte, enojada tentei me soltar e com minhas sacudidas algo dele caiu com um baque surdo, ele me soltou e eu cai, a curiosidade ganhando do medo dei uma olhada para o que estava em minha frente, era uma carta comum jogada no chão suja e ao seu lado uma cabeça inerte me olhava. Um grito de pavor ecoou de minha garganta e eu sabia então que estava sonhando, adiante havia um espelho cravado em uma árvore morta ao lado de um lago escuro, o vento frio fazia leves ondulações em suas águas, o cheiro denunciava sua podridão e o bater de asas ao longe transformava meu pesadelo em agonia real, as cartas até então paradas me olhando apontaram suas lâminas para mim, algumas tão próximas que me cortavam levemente, não conseguia me levantar estava apavorada, na minha frente um casal de cartas me espetavam com mais ímpeto. Não, não! Por favor não!! Era o casal, o casal do parque, a morte que tive a infelicidade de presenciar em meus sonhos e ao longe na droga da realidade. Me arrastei para perto da árvore tremendo, no espelho eu me vi refletida em outro lugar, deitada, estava dormindo? Tinha algo no meus rosto, mas não tive tempo de me admirar o exercito de copas avançava, não sabia o que fazer me olhei novamente e comecei a gritar desesperada:" Liz, acorda!Acorda, Liz!Acorda, acorda..."
Meus olhos se abriam rápido demais a luz do quarto me cegou por um instante. Ainda com uma leve irritação da claridade, minha respiração aos poucos vai se normalizando. Ao meu redor uma sala clara, com a janela fechada e no ar um cheiro estranho e enjoativo de remédio chegava até mim. Para meu espanto eu estava com uma agulha enfiada em meu braço, e sobre meu pescoço tinha alguma coisa que eu não conseguia enxergar, mas que o envolvia completamente. A minha frente três pessoas cochichavam, aparentemente não tinham percebido que eu havia acordado, dentre elas eu reconheci minha mãe, com um ar preocupado ao seu lado vi um homem de jaleco branco. "Se ele não for médico espero que não seja o açougueiro" pensei sarcasticamente. Ele foi o primeiro a perceber meu olhar. Era estranho, grande e forte demais, não tinha a aparência tranquilizadora dos médicos, tinha sinais de não estar dormindo bem, suas feições eram grandes e bem demarcadas, ele sorriu ao se aproximar e seus dentes aparente me lembrou um daqueles caras que fazem luta livre prestes a entrar no ringue, ou seja, não gostei dele.
- Nos deu um susto mocinha. - interessante médico assustador e invasivo, onde eu tinha dado a permissão dele ter intimidade para me chamar de mocinha?
Tentei responder, porém minha voz não saiu, mas o esforço fez eu sentir uma leve dor no pescoço.
- É melhor não fazer esforço, o corte não foi profundo, mas vai ficar uns dias sentindo um pouco de dor.
- Minha filha, por que fez isso? O que aconteceu.
Acho que eu a olhava apavorada, pois o médico me olhou diretamente e deu um aceno rápido me salvando da explicação.
- Desculpe senhora, mas ela vai ter que descansar e não pode falar ainda, vou ter que pedir para se retirar do quarto ok?
Relutante, ela chega mais perto de mim me da um terno beijo que me acalma de imediato e sussurra no meu ouvido: "Estou lá fora, não vou e deixar sozinha".
- Enfim sós! - Assim que a porta bate o médico me olha sorrindo. Ele chega perto de meu pescoço e aos poucos tira uma espécie de esparadrapo ensopado de sangue do meu pescoço, bem habilidoso e bem ágil para o seu tamanho ele troca o curativo.
- O.. - tento dizer até que balbucio uma frase incrível de três palavras - Que.. hou..ve co... migo?
- Pelo que sei, você cortou levemente seu pescoço com um pedaço de vidro. Não me parece que você tentou se matar. Se lembra do que aconteceu?
Apenas acenei negativamente com a cabeça. Ele sorriu e me deu um copo de água, que aproposito desceu rasgando, me perguntei aquilo era realmente permitido nas minhas condições, mas ele não parecia um médico convencional.
- Bom não posso ficar muito aqui, estou de plantão hoje, mas sou pediatra e você é meio grandinha já - ele falou em tom de brincadeira e isso me irritou profundamente ele deve ter percebido. - É só uma piada, bom vou indo, tente dormir, boa noite.
Eu não queria mais sonhos então me mantive acordada, já fazia mais de uma hora que aquele homem saiu do meu quarto quando percebi a primeira movimentação. Uma criança entrou correndo no meu quarto, estava pálida, assustada, tinha a mesma roupa de hospital que a minha e parecia bem abatida. Ela me fez um sinal para ficar quieta, mas só sua respiração agitada enchia meu quarto e fazia um eco terrível. Eu vislumbrei uma pessoa passando pela porta, alguém grande. A criança também viu, não deveria ter mais de treze anos. Me deu um tchau e saiu devagar olhando todos os lados, do lado de fora só pude ver um corredor em tom pastel. Ela fechou a porta e sumiu. Achei muito estranho, mas depois de vários minutos eu acabei adormecendo.
Vi uma silhueta grande ao longe, estava andando por um corredor, me amaldiçoei ao perceber que era outro pesadelo e eu havia adormecido, não queria ir ver o que aquela pessoa estava fazendo e estava virando para o outro lado, quando vi Rose agachada ao meu lado de olhos fixos para cena, era estranho como não havia pensado nela desde que acordei. Ela segurou meu braço me assustando.
- Ajuda eles Liz, só nós podemos, ajuda, todos precisam de ajuda, me tira daqui, aqui eu não posso fazer nada por nós, nem por eles, me tira daqui depois de salvar eles, eu vi, os contos, é tudo verdade, é nosso destino! - Ela estava completamente histérica não sabia o que fazer mas a minha frente ouvi um grito infantil e por impulso corri até o menino que tinha visto no quarto, ele estava caído no chão cheio de ferimentos, como feito por garras afiadas ele ainda respirava e me olhou assustado e num murmúrio me confidenciou:
- Não.. confia tia, fica perto das crianças.. temos medo.. a noite.. sempre.. não confia..
Senti ele se desfalecendo em meus braços e ao meu lado vi um vulto, ao longe senti uma respiração quente e ruidosa escondida no escuro, num roupante um grande lobo apareceu e pulou em cima de mim.
Acordei gritando, e ao mesmo tempo ouvindo um grito infantil bem ao longe. Minha garganta doía e eu sabia exatamente o que tinha acontecido naquele lugar...
Próximo capitulo - QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU? - 2° parte
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